Refletir sobre o sustento financeiro dos obreiros não faz mal…

Meus trinta leitores, estão dispostos a ler algo longo, sobre sustento financeiro pastoral? Então, vamos lá.

A Assembleia de Deus nasceu num porão em Belém, em 1910, aonde 18 crentes compreenderam a mensagem pentecostal. Foram desligados de sua denominação que não aceitava a interpretação do batismo no Espírito Santo. A Missão da Fé Apostólica sofreu de modo resignado tanto à oposição católica, quanto evangélica. Diversas igrejas tradicionais acusaram-na de ser desviada, fanática e até mesmo usada pelo Diabo. Isso só para contar quem expressou seu descontentamento. Ainda hoje há quem esconjure o empreendimento. Malfadados os conjúrios a Igreja cresceu.

Certamente, os crentes batistas estranharam o desenvolvimento administrativo da nova igreja. O governo congregacional (não confundir com a denominação), baseado nas decisões do colegiado, lhes facultava a oportunidade de até mesmo destituir o pastor e por outro em seu lugar. Claro, não é por vontade de um ou outro, mas se a assembleia (não confundir com a denominação) quer, é o povo quem decide. Não pesquisei a respeito, mas dada a origem batista dos pioneiros e seu desapego diante dos descaminhos a partir de 1930, por alguns anos ao menos o modelo seguiu impávido. Ainda hoje as Assembleias de Deus de matriz americana implantadas na América Latina o seguem. Mas, aqui, a guinada não demorou muito.

A assembleia de irmãos em geral foi substituída pelas decisões do ministério, veio a vitaliciedade e o gerenciamento financeiro ficou a cargo do presidente e do tesoureiro. Parte de algumas imposições eclesiásticas se impunham numa nova interpretação do papel da liderança, não raro baseadas em profetadas. Antes de prosseguir é preciso lembrar que, no modelo congregacional, embora o pastor detenha o mando sobre as finanças ele se obriga a prestar contas à congregação periodicamente sobre os gastos, seu montante e qualidade. Rubricas específicas como salário pastoral e gastos administrativos são, se não combinadas com os membros, ao menos transparentes e disponíveis para todos.

Dia desses estava lendo um excerto de uma reunião para exposição financeira de determinada denominação e coisas simples foram enfaticamente discriminadas e disponibilizadas na Internet. O exemplo prático é o seguinte (com a troca de nomes, valores e datas):

Troca de professores. Em virtude da aposentadoria do professor de grego João das Quantas, no Seminário Teologia para Todos, nomeia-se o professor Virgulino Ferreira para seu lugar, com o salário mensal de R$ 2,00 (dois reais), a partir do dia 01/01/1900.

Ajuda de custo a pastor sem congregação. O pastor Daniel Berg pergunta: Está congregando conosco o Pr. Judas Iscariotes, que mudou-se recentemente para nossa cidade. Como proceder o pagamento de seu salário? O colegiado responde: A igreja local deve arcar com os custos e enviar o comprovante para a Secretaria Geral, para que haja o devido ressarcimento.

Se não é o ideal, se aproxima bastante do modelo da Igreja Primitiva aonde todos tinham tudo em comum. É justo o contrário de uma Convenção que conheci numa das andanças pelo Brasil que não utiliza sequer um carnê para registrar as ofertas! Após o ofertório o pastor se ausenta do púlpito e dois diáconos contam o dinheiro. Confirmado o valor, o pastor simplesmente põe no bolso!

Muitos tomarão como acinte algumas das colocações adiante, mas é preciso ler e reler para compreender seu sentido. Não podemos nos furtar a este debate por algumas razões/premissas:
1) A administração financeira de muitas igrejas é uma caixa-preta até para obreiros;
2) Gasta-se perdulariamente numa determinada área, enquanto exige-se contenção em outra, ambas com o mesmo nível de prioridades;
3) Alguns obreiros ganham salário (mesmo que disfarçado de ajuda de custo), outros não. Com o mesmo nível de responsabilidade eclesiástica e envergadura intelectual;
4) Mesmo entre os que ganham, há uns que ganham mais e outros menos a critério única e exclusivamente de quem ordena os pagamentos;
5) Há, de fato, necessidade de sustento pastoral ao obreiro, especialmente, aos que regem congregações, pelos seguintes motivos: a) É ele quem conscientiza na ponta aos membros e congregados sobre dízimos e ofertas; b) Ele precisa disponibilizar tempo para o atendimento das ovelhas, do contrário sua administração é capenga e ocasional;
6) Não é por falta de dinheiro que tal ajuda não chega a alguns, o problema está na correta administração dele. E, claro, há outras questões.

Algumas Assembleias de Deus atrelam a ajuda à arrecadação. Descontados os custos fixos e variáveis é calculado um percentual sobre a sobra. É um modelo razoável, especialmente, para um mundo monetizado. O pastor se esforça um pouco mais e a administração central ganha com o incremento. Infelizmente, distorceram o modelo impondo metas e exigindo patamares de ofertas cada vez maiores. Conheço casos, Brasil afora, de pastores traumatizados. O sistema se tornou uma ordenha. Conheço casos, porém, bem sucedidos. Uma denominação derivada da Assembleia de Deus destina 40% da sobra ao pastor. Se ele tiver olho grande, entra em fagocitose, se não amplia o trabalho. Todos ganham. O modelo é funcional há várias décadas nesta denominação nacional.

Outro aspecto crítico do sustento se dá quando ele é usado como arma para apoiar decisões. Eventuais discordâncias são punidas com o ostracismo e a supressão do valor, visto que o mesmo não é tido como salário, podendo ser retirado, não raro aeticamente, a qualquer momento. É um modo selvagem que não difere muito da política tradicional. Também acontece o contrário, em virtude do que um obreiro sabe ou das falcatruas que encobre ganha uma margem para achacar o pastor, exigindo valores cada vez maiores e inadmissíveis.

Voltemos ao item 3 de nossas premissas. O que dizer de pastores que até definem seu salário, porém, todas as outras despesas são bancadas pela Igreja, como um cartão de crédito ilimitado? Conheço outros casos absolutamente desiguais e injustos. Um obreiro de mesma envergadura no que se refere à postura ética e comprometimento eclesiástico ganha salário, aluguel de uma boa casa, combustível, mensalidade escolar, pagamento do carro, outro não ganha nada!

Por fim, resta ainda o problema das relações trabalhistas. Os tribunais têm sido favoráveis às igrejas em geral, não reconhecendo o vínculo. Não se sabe por quanto tempo. A realidade é que a ajuda é salário, de onde provem o sustento essencial, e que o pastor se torna exuperyanamente um servo integral da Igreja, na ausência ou na presença. Ou, então, pastor não é. Sem contar a velhice e o ocaso, tão certos como o sol amanhã de manhã. Algumas igrejas precavidas montam fundos de pensão para amparar seus obreiros idosos. Outros obreiros destinam parte da ajuda ao pagamento do INSS como autônomo. Claro que é muito mais conveniente jogar a questão debaixo do tapete. Com o tempo ela já parece uma montanha. De pólvora!

Sobre o autor | Website

Meu nome é Daladier Lima dos Santos, nasci em 27/04/1970. Sou pastor assembleiano da AD Seara/PE. Profissionalmente, trabalho com Tecnologia da Informação, desde 1991. Sou casado com Eúde e tenho duas filhas, Ellen e Nicolly.

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9 Comentários

  1. Mario Sérgio disse:

    Parabéns irmão! Esse tema deve sempre ser abordado e refletido, pois muitas injustiças e manipulações ocorrem nessa área. Um sugestão: acredito que na nossa denominação deveria ser adotado o orçamento participativo. Assim, algumas congregações seriam agraciadas com templos maiores ou benefícios, os quais demoram anos pra chegar.

    Abraço!

  2. JERRI Adriane disse:

    Boa tarde irmão! Aqui em SÃO CARLOS SP temos uma administração esquisita demais, pra não usar outro adjetivo. Já fazem muitos anos que há a promessa de construir o templo sede, mas o que temos é uma construção sem pé nem cabeça que não acaba nunca, um poço sem fundo.QUE VERGONHA!!! OBS: AD BELEM.

  3. R matos disse:

    Com respeito a está denominação insinuada e ou á qualquer outra,mas como um todo no que diz respeito a confraria evangélica, sinalizamos adotar a Bíblia como regra prática de vivência e profissão de fé.

    No entanto age-se dissimulado quando adota-se costumes e ou posturas que nada tem no quesito de ser Bíblico. Exemplo é o fato de que o obreiro é obrigado a dizimar e ter seu nome exposto no mural como exemplo de compromisso nessa essencial,tendenciosa e defendida parte.

    Aqui em Uberlândia, embora não seja eu membro da A.D- Missão, conheço um rapaz que é de lá e disse que R$ 200 Mil foram gastos para cobrir o teto da denominação com forro. Ao passo disso, existe por lá um diácono que tem o telhado de seu casebre segurado por cordas quais amaram as telhas.

    um paradoxo. Dinheiro que serviria para promoção humana é empregado e ostentado em pilares de marfim.

    Triste fim.

  4. Eu não concordo com a obrigatoriedade de dar o dízimo, até porque o dizimo no meu entendimento bíblico não é para a igreja, no tempo da graça, prefiro ficar com o que paulo diz 2 Co 9:7 e também não encontrei Jesus dando ordens para que fossem construídos Templos milionários.

  5. Mario Sérgio disse:

    Recentemente, um obreiro integrado (assim se chama aqui em Santa Catarina o que recebe da igreja) me confessou que na Assembleia Geral da igreja não foi lido as “entradas’ e “saídas” do caixa geral. O pastor deu a entender que era algo de menor importância, e que os irmãos poderiam passar na secretaria para conferir, coisa que ele sabe pouquíssimos vão fazer.

    Isso é o contrário do que se prega em relação as contribuições, pois o membro muitas vezes é colocado no inferno se não contribuir. Porém o relatório financeiro esse pode ficar sem relevância ?

  6. Daladier Lima disse:

    Prezado Mário Sérgio,

    Não é muito diferente Brasil afora. Transparência não é a palavra mais querida na liderança.

    Abração!

  7. Michael Evangelista disse:

    Algumas coisas nas Assembleias de Deus nunca foram claras, principalmente, quando trata-se das finanças. É um mistério o que acontece no apagar das luzes, aqui na capital de Minas pude ver de perto um obreiro,que durante muito tempo trabalhou na obra, e já avançado em idade e com sérios problemas de saúde, receber uma ajuda de custo irrisória da igreja, enquanto outros pastores que são responsáveis por setores ( em BH chamamos de regionais) receber remunerações altíssimas. Sem falar que, congrego numa região que as arrecadações não são altas e, em virtude disso, sempre encontram dificuldades encontrar pastores para dirigir a região, pois muitos não querem vir!!(será porque? risos)
    Achei interessante as enumerações que irmão fez relacionadas à administração (acho que o nobre deu uma passeada aqui em BH.risos), não há uma padronização e/ou muito menos clareza nos investimentos que a igreja faz. Logo, observamos algumas coisas bastante estranhas, como: templos que passam por reformas constantes enquanto outros, em regiões mais carentes, não possuem nenhuma infra-estrutura para receber os crentes, pastores que rejeitam determinadas regiões por não serem rentáveis.
    Por fim, pregam ferrenhamente que os crentes devem contribuir fielmente com a obra, porém, não temos noção do que fazem com as contribuições. Que Deus nos ajude.

  8. Daladier Lima disse:

    Prezado Michael, infelizmente, as mazelas que percebemos no post se repetem nas ADs Brasil afora. São males estruturais que nossas lideranças, a partir da CGADB, não conseguiram resolver. Que as novas lideranças possam enfrentar tais problemas.

    Daladier Lima

  9. Eduardo Juvenal disse:

    Excelente postagem. O livro de Atos e as cartas de Paulo deveriam nortear todas estas abordagens do seu texto.