O perigoso flerte da Igreja brasileira com Bolsonaro!
Será que na cruzada política de Bolsonaro a Igreja se dará bem? A História já não forneceu elementos para termos cuidado!?
Bem, meus leitores, vamos a um tema espinhoso, mas necessário. Sugiro que leiam até o fim para evitar conclusões equivocadas. Há um claro flerte neste instante do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, com a igreja evangélica. Vai aos cultos, é ovacionado, o chamam de “mito” em plena reunião, lhe é franqueado o microfone.
Uns diriam que o fluxo é o inverso. Outros iriam além e diriam que o que existe é um casamento, ou seja, já passou de flerte. Mas vamos com calma que o o movimento é mais sério do que se pensa.
Primeiro, um pouco de contexto…
Os evangélicos cresceram, fala-se em 50, 60, 80 milhões de membros. Depende de quem vende a estatística. Eu ficaria ali pelos 20 a 25%, ou seja, 40 a 45 milhões[1]. É uma massa incomensurável de pessoas! Que, note-se, vem crescendo ao longo dos pleitos, sendo paparicada à esquerda, à direita, ao centro, seja por onde for. Ninguém poderia ignorar uma massa tão grande de votos.
Logo, temos o bônus: sozinhos podemos eleger candidatos e contrabalançar eleições! A depender de alguns poucos fatores os evangélicos podem se dar ao luxo de eleger deputados estaduais e federais e até senadores. E o ônus: Por um lado, somos assediados por todos, não sabemos quem tem boas intenções sobre nós e, de fato, defende nossas pautas. Por outro, somos acompanhados com lupa por todos que não hesitarão em usar todo o rigor da Lei contra nós! Em suma, descemos pro playground, agora vamos ter que aprender a dançar!
Na eleição passada, por exemplo, foi consolidada farta jurisprudência sobre uma inovação jurídica: o abuso de poder religioso[2]. Em outras palavras, os tribunais passaram a reconhecer o poder dos votos evangélicos direcionados por suas lideranças a determinadas candidaturas. Apesar dos argumentos razoáveis, não tem previsão no texto do amplo regramento jurídico brasileiro. Evidentemente, a maioria dos líderes evangélicos não gostou da bizarrice legislativa do Judiciário (quem produz leis no Brasil é outra casa), mas a ideia colou e até o TSE emitiu condenações no âmbito do tal abuso de poder religioso.
A AD nunca escondeu sua queda pela política. Registra Osiel, citando Paul Freston[3]: “Na mudança da AD em 1986, teve repercussão o livro Irmão Vota em Irmão, escrito por um líder assembleiano e assessor do Senado, Josué Sylvestre. O livro usa fortes recursos retóricos para convencer evangélicos a votarem em candidatos evangélicos. Textos bíblicos como “quem sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado” e “amai-vos uns aos outros” são interpretados em apoio à sua tese. Já que o voto é secreto, estas são as armas mais fortes dos líderes para arregimentar eleitoralmente seus membros.”
O movimento para ter representantes municipais e estaduais só se intensifica. A maioria das Convenções gostaria de ter um prefeito ou deputado, quando não um senador. Diversos presidentes se lançaram candidatos eles mesmos.
Voltando a 2018…
Em 2018 aconteceu algo impensável. Um candidato de fora do establishment (ao menos do que se convencionava establishment até então) ganhou a eleição. Quase sem programa político, porém, autodenominado, conservador, liberal na economia, sem tempo de TV, obteve pouco mais de 57 milhões de votos: Jair Messias Bolsonaro!
Bom lembrar o contexto político que antecedeu a eleição do atual presidente. Primeiro temos o PSDB que “reinou” por oito anos, 1995 a 2002, e caiu em desgraça. Depois vem o PT, que “reinaria” por 16 anos, de 2003 a 2018, não houvesse exagerado na sua rapina e protagonizado, ou ajudado a protagonizar, aquele que seria o maior escândalo de corrupção da História moderna. Dilma sofreu impeachment em 2016, deixando em seu lugar, Michel Temer, do PMDB.
O sonho social democrata chegou ao fim, com graves sequelas éticas, pouquíssimas vezes condenadas pela igreja evangélica, registre-se. Lula era recebido nos cultos, Dilma sentava nos púlpitos. Sua reeleição foi apoiada abertamente pela AD brasileira, até com declarações na grande imprensa, feitas pelas lideranças assembleianas. Já nos ocupamos desses meandros antes.
Os governos do PSDB e PT arrasaram nossa democracia. Parlamentares eram comprados em mensalões, juízes eram designados por seu alinhamento ideológico e não por sua competência. Pensadores e artistas eram cooptados por gordas verbas federais. Arrasaram nossa economia. Emprestando a ditaduras caloteiras, como Cuba e Venezuela. Arrasaram nossa educação. Chegamos aos piores níveis nos índices internacionais. Arrasaram nossa moral e nossos costumes. Minorias passaram a impor valores à maioria, com apoio estatal.
Esse caldeirão de variáveis refletiu na Igreja e nos votos. Feliz ou infelizmente vivemos em sociedade. É, praticamente, impossível que uma influência dessa magnitude não nos atinja. A reação foi o voto em Bolsonaro e sua bandeira conservadora.
Mas o que é conservadorismo?
Convencionou-se chamar de conservador aquele que apoia os bons costumes, a estrutura familiar tradicional, que vai contra pautas progressistas como aborto, ideologia de gênero, casamento homossexual, etc. É natural que a maioria esmagadora dos evangélicos se encaixasse nesse molde e apoiasse Jair Bolsonaro que, de fato, sempre defendeu tais pautas contra o PT, e outros partidos de esquerda, na Câmara dos Deputados. O problema é: que tipo de conservadorismo temos?
Já falamos aqui que alguns políticos ditos conservadores estão no terceiro ou quarto casamento. Na última eleição municipal tivemos o apoio explícito dos assembleianos pernambucanos à candidatos de esquerda, enquanto votavam em Bolsonaro. Siglas como PSB (Partido Socialista Brasileiro), PDT (Partido Democrático Trabalhista), cujo emblema é uma Rosa de Luxemburgo, o símbolo da Internacional Socialista, PT (Partido dos Trabalhadores), Rede, etc tem total liberdade de trânsito entre nós. Aqui em Abreu e Lima um dos candidatos a vice-prefeito era do PCdoB e arregimentou lideranças e irmãos em geral para seus comícios e reuniões, sem quaisquer questionamentos.
Aliás, essa é uma realidade que se repete em todo o Nordeste. No vizinho estado da Paraíba os crentes da capital votaram em massa no PV e já tinham elegido o governador do PSB. No Rio Grande do Norte, a governadora é do PT. No Ceará e na Bahia, também. Aliás, neste último o governador se reelegeu. E por aí vai. Esse pessoal todo se elegeu ou reelegeu com o voto evangélico. Não há como concluir de modo diferente.
Qual o problema então?
Além do já exposto, temos agora uma grave crise entre os Poderes. Nunca na história deste País tivemos um mandato tão judicializado no Executivo. Se Bolsonaro espirrar o STF quer saber por que, de preferência, em 24 horas. Apoiadores foram presos por expor seu incômodo. Não os defendemos, nos termos do que falaram, a questão é que a liberdade é um valor inegociável e eu não posso prender alguém de quem não gosto ou que tem uma opinião divergente da minha. É preciso que essa pessoa cometa um crime, conforme definido em nosso arcabouço legal.
O presidente, por sua vez, é boquirroto, fala muita bobagem e acaba comprometendo seu capital político. Observamos que dado o apoio eclesiástico a Igreja vem apanhando junto. É até natural que a AD esteja sendo paparicada, afinal é a maior denominação evangélica do Brasil. A questão é saber se podemos bancar esse jogo político sem rusgas. Adicione-se à equação que tais ataques à Igreja não estão ocorrendo por causa do Evangelho, mas pela posição política. O que é mais preocupante ainda!
É bom separar a obrigação que a Igreja tem de orar pelas autoridades em geral (1 Tm 2:1,2) da necessidade de ter um presidente enfurnado em nossos eventos. E não só o presidente, como governadores e prefeitos. Cada coisa em seu lugar. Ele pode, por outro lado, professar a fé que quiser. Se diz católico, mas se amanhã se tornar evangélico, amém! A questão é a Igreja se imiscuir nos meandros da política brasileira, como se ator político partidário fosse. E não é!
Na minha miopia nessa briga da maré (Presidente) com as pedras (STF), por exemplo, quem morre primeiro é o siri (apoiadores, entre eles as igrejas). Acho perigosíssimo o flerte entre a Igreja e Bolsonaro. O presidente vai passar, termina seu mandato em 2022 ou quiçá se reeleja indo até 2026. E o que restará à Igreja? Que faremos com esse conservadorismo mambembe a cada eleição? São perguntas para as quais não há respostas no horizonte.
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[1] Estatística IBGE 2010
[2] O abuso de poder religioso, no entendimento dos tribunais, consiste em ceder o espaço dos templos e cultos para a propagação de candidaturas, ainda que de forma disfarçada. O abuso se daria pelo bloqueio aos demais candidatos, uso da audiência cativa e do espaço público para promoção de candidato contrapondo-se à Lei 9.504/97. É um arcabouço legal novo que tende a se consolidar, inclusive com punições a candidatos e pastores que proporcionaram tais espaços.
[3] Os votos de Deus, Editora Massagana
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