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Por que o Salmo 145 é acróstico e só tem 21 versículos?

Salmo perdido

Uma das características da poética bíblica é a presença dos textos acrósticos, em que cada nova linha é iniciada pela mesma letra do consonantário hebreu. O Salmo 145 (texto em si muito belo) é um exemplo disso.

Entretanto há 22 letras no alfabeto hebreu, e o Salmo 145 tem (na atual divisão) 21 versos. Tais 22 letras podem ser conferidas geralmente no Salmo 119 (com 8×22 versos) ou nas Lamentações de Jeremias (das quais todos os capítulos apresentam 22 versos, excetuando-se o terceiro, com 3×22).

Como se vê no texto hebreu, cada linha (iniciada da direita para a esquerda, e ignorando-se o título) é iniciada por uma letra do alfabeto. Mas o que é interessante é que não há nenhum verso iniciado pela letra NUN. Tal verso deveria estar entre o que hoje são os versos 13 e 14, iniciados, respectivamente, por MEM e SAMEKH.

MEM (som de “m”) é seguido de NUN (som de “n”) assim como no nosso alfabeto o “m” é seguido do “n”, bem como na língua grega o “μ” (mü) é seguido do “ν” (nü), sendo tal a ordem no abecedário fenício herdado pelos três idiomas.

Significa que há um verso perdido? Sim! Mas não tão perdido assim. Na realidade, muito mais achado do que se pode imaginar. Tal verso, perdido (ainda que não totalmente) pelos escribas hebreus na Idade Média, já havia sido preservado pelos cristãos em latim (VULGATA) e grego (LXX).

O verso 13 é complementado tanto na Septuaginta quanto na Vulgata pela seguinte leitura (lembrando que em ambos o número utilizado é 144 e não 145):

13 regnum tuum regnum omnium sæculorum et dominatio tua in omni generatione et progenie fidelis Dominus in omnibus verbis suis et sanctus in omnibus operibus suis
14 adlevat Dominus omnes qui corruunt et erigit omnes elisos

13 ἡ βασιλεία σου βασιλεία πάντων τῶν αἰώνων καὶ ἡ δεσποτεία σου ἐν πάσῃ γενεᾷ καὶ γενεᾷ πιστὸς κύριος ἐν τοῖς λόγοις αὐτοῦ καὶ ὅσιος ἐν πᾶσι τοῖς ἔργοις αὐτοῦ
14 ὑποστηρίζει κύριος πάντας τοὺς καταπίπτοντας καὶ ἀνορθοῖ πάντας τοὺς κατερραγμένους

Pode-se traduzí-lo como:

“Fiel é o Senhor em suas palavras e piedoso em todas as suas obras” (LXX)

“Fiel é o Senhor em todas as suas palavras e santo em todas as suas obras” (VULGATA)

É improvável que tal tenha sido uma adição à Septuaginta, visto que a “acrosticidade” do texto é totalmente perdida na tradução para o grego (assim como para o português). Um leitor grego não notaria a falta do “nun” tanto quanto nós não notamos quando lemos uma tradução da Bíblia que tenha por base a massorah (ex: Almeida). Ou seja: é algo anterior à Septuaginta.

Embora possamos traduzir tal texto para o hebraico para obter o desejado NUN, a confirmação vem de um dos Manuscritos do Mar Morto. O manuscrito 11QPsa, encontrado em Qumran, traz o verso iniciado por NUN. Sua leitura é:

נאמן אלוהים בדבריו וחסיד בכול מעשֹיו
Como se lê, trata-se (mutatis mutandis) da mesma leitura apresentada na LXX e na Vulgata, aqui iniciada por נאמן (NEMAN), ‘fiel’.

G. Montenegro.

Pescado em http://cristianismopuro.blogspot.com.br/2011/02/salmo-145-e-o-versiculo-perdido.html

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