Ícone do site Pr. Daladier Lima

Por que pastores produzem intelectualmente tão pouco?

Produção intelectual

Quanta produção intelectual há em nossa liderança? Quantos você já viu produzindo um texto, com coerência e legibilidade, sem erros ortográficos relevantes? Quantos pastores você conhece que pregam um sermão expositivo seguindo um texto produzido por ele mesmo? Quantos pastores possuem uma boa biblioteca? Quantos seriam capazes de discorrer sobre temas doutrinários através de tópicos escritos? Quanto tempo os pastores que você conhece dedicam à leitura? 

Prezados, trinta leitores, tenho inserido pouco material no blog pois estou no meio de vários projetos de ordem pessoal e profissional. Além disso, estive adoentado estes últimos dias e tudo isso refletiu por aqui. O assunto do post é crítico e pode, a partir dos seus devidos links, refletir boa parte da realidade eclesiástica brasileira.

De fato, a intelectualidade brasileira produz pouco material escrito. Ou seja, o contexto não ajuda. Conheço pessoas que possuem uma boa biblioteca, mas são incapazes de articular um texto sobre um tema qualquer. Chegou às minhas mãos dia desses um texto livre de um pastor, com diploma de mestrado, que em dois parágrafos trouxe quinze ou vinte erros ortográficos grosseiros, além dos incríveis erros de concordância nominal e verbo-nominal. Então, onde está o problema?

A parca produção teológica

Nossas faculdades teológicas produzem pouco material por conta própria. Um aluno é capaz de terminar o curso sem produzir uma reles monografia. Não há estímulo através de concursos de redação ou iniciativas do gênero. Isto se complica porque sabemos que o livro tem custo de produção cada vez menor. Ou seja, com R$ 2.000,00 em números redondos ou menos um autor produz cinquenta livros com capa e tamanho padrão, com ISBN e divulgação em prateleira.

Com a internet e blogs a todo vapor dá pra divulgar um texto a custo zero ou recebendo dinheiro pelo Amazon, por exemplo. Então, na maioria dos casos, não é por falta de mídia (meio de distribuição) mas de… conteúdo! Não há o que dizer ou o que se diz não interessa. Boa parte dos blogs evangélicos se limita a reproduzir os conteúdos alheios ou falar amenidades. Somente a União de Blogs Evangélicos concentra mais de 5.000 afiliados muitos dos quais se encaixa neste perfil!

Produção teológica mesmo, de qualidade e diferenciada, somente em poucos lugares. Ultimamente, até livros físicos estão reproduzindo conteúdo, através do famoso Copiar/Colar. Sem ineditismo não há audiência. Sabemos que produzir literatura dá trabalho, muitos preferem clonar a ideia alheia e fingir nível intelectual. Não é raro na faculdades teológicas encontrarmos alunos insatisfeitos com um professor que o obriga a produzir textos dentro de sua área de ensino. Dia desses numa determinada EBO vi uma apostila de uma preletor que copiou meu livro de Relações Humanas da faculdade. Páginas e páginas!

A pouca ou nenhuma leitura

Aprendi desde cedo que quanto menos lemos mais erramos ao escrever e ao falar. Conheço pessoas que realmente não tiveram muitas condições de estudar, mas são ávidos leitores. Ouvi-los, em qualquer lugar jamais denunciaria sua falta de estudo secular, porque conseguem articular a comunicação naturalmente. Eles me dizem que nos primeiros anos procuravam ouvir um falante correto e assimilaram com o que liam.

Pesquisa da Fecomércio-RJ[1] indica que 70% dos brasileiros não leram um livro sequer em 2014. Não é raro encontrarmos obreiros ao púlpito envoltos em longas leituras, quando deveriam estar cuidando do andamento do culto! Isto ocorre porque, via de regra, não reservam tempo para ler em casa. Já falamos aqui como as Bíblias de Estudo, pasmem!, contribuem para esta questão:

1) Não aguçam a pesquisa. Por mais que as editoras evangélicas em geral se esforcem, o estudante, o pastor, o teólogo comum no Brasil tem preguiça para a pesquisa. Fui seminarista e senti na pele tal aversão. Não critico meus amigos, mas eles sabem que pesquisa cabeça não era seu forte. O que o aluno de teologia, de maneira genérica, gosta é de confronto e polêmica. Razão pela qual há tão pouco material de exegese gestado em nossas terras. O assunto mais comentado por um estudante de seminário é o arrebatamento. Ele gosta de detalhar etapas, etc e tal. Muitos estão adorando a lição deste trimestre… Rsrsrs!

Boa parte dos compradores fazem pesquisas pontuais, sobre temas generalíssimos, tão logo os versículos são citados numa leitura oficial, por exemplo. Fora isso, a apatia é um mal comum. Conheço menos de dez pastores, eu disse menos de dez!, que gestam um sermão com razoável antecedência, a grande maioria recebe na hora, apesar de ensinar o contrário. Curiosamente, porém, conheço vários pregadores que possuem uma Bíblia simples toda marcada e anotada de próprio punho.

2) Não aguçam a leitura. Não conheço uma só pessoa, me perdoem se generalizo, que tenha se tornado um leitor mais ávido, após a compra de tais Bíblias. Os que gostam de ler, já o faziam antes. Se ter uma Bíblia não serve à leitura e meditação, então risquemos de suas páginas passagens como o Salmo 1! Relembro aqui uma história que aconteceu comigo. Chegando ao gabinete de determinado pastor, numa sexta-feira, este me mostrou, orgulhoso, seu plantel de Bíblias de estudo. Era BEP, Scofield, Thompson, Vida Nova e por aí vai. Como sou perspicaz, perguntei:
– Destas Bíblias que o senhor tem, quais foram lidas esta semana?
Ele respondeu, honestamente:
– Nenhuma, rapaz. Infelizmente…
Retruquei:
– Então, era melhor ter um Novo Testamento, daqueles dos Gideões, desde que lido com frequência!

Acreditem, há pastores que nunca leram a Bíblia toda! Apesar de terem e exibirem Bíblias as mais diversas.

3) Não aguçam a espiritualidade. Esta é uma triste constatação, não conheço ninguém que tenha se tornado mais profundo, espiritualmente falando, estudando em tais Bíblias. Se uma Bíblia oferece mais recursos, audiovisuais, inclusive, reza a tese que o aluno deveria estar mais instruído, e, por consequência, mais culto, e daí mais crente. Se uma Bíblia não transforma, que valor tem? As pessoas ficam me olhando ressabiadas quando pedem uma indicação de Bíblia de Estudo. Perguntam-me qual a melhor? Respondo: A que você lê! Procure uma boa Teologia Sistemática, que vai oferecer recursos suficientes para compreensão panorâmica das Escrituras Sagradas. Mas você tem que fazer isso, prioritariamente, em casa, não no culto!

Donde concluímos ser necessário que o pastor leia, mas com qualidade e dedicação. É preciso muitas vezes fugir da TV, da internet, das redes sociais e mergulhar num livro. Não descarto aí a importância do livro eletrônico. Possuo o aplicativo do Kindle em meu PC e smartphone e me permitem ler muito mais que no livro comum. Você cria uma conta e compra os livros virtuais sem precisar ter o aparelho da Amazon.

A ausência de escrita

Dia desses estava numa determinada reunião quando foi franqueada a oportunidade para que 300 ou 400 pastores presentes produzissem artigos e fossem publicados numa home page de visibilidade razoável da igreja. São decorridos cerca de 60 dias e não chegou NENHUM artigo àquele espaço virtual! É o mesmo tratamento dado aos sermões.

Quantos pastores você conhece que pregam um sermão expositivo seguindo um texto produzido por ele mesmo? São bem poucos, eu disse anteriormente que conheço menos de dez. A maioria até usa um tablet ou PC, mas apenas encadeia versículos e citações ou Copia/Cola de outros. Assisti um vídeo de Hernandes Dias Lopes, pastor presbiteriano, dizendo que não consegue pregar um sermão, sem que gaste 18 horas para produzi-lo. Uns dirão: “Exagero!” Eu direi: “Esmero!”. Conheço igrejas onde pessoas mais intelectualizadas não estão indo aos domingos, porque não há pregação de qualidade. Só conversa mole e mensagens com frases de efeito.

Então, escreva. Comece devagar. Uma frase, um parágrafo, um pequeno texto. Quando você escreve se obriga a articular as ideias, mede a conexão entre elas, refaz estruturas que não expressaram muito bem o que você quis dizer. Não há outro caminho. Por que Deus deu-nos sua Palavra por escrito? Pense nisso!

Infelizmente, no que tange à Assembleia de Deus e sua editora confessional, a CPAD, não há muito interesse no escritor brasileiro. Predomina o QI (Quem Indica) ou autores de títulos chamativos e autores estrangeiros. Não há sequer uma boa teologia sistemática, digna de nota, produzida pelos assembleianos, isso num país de propalados 40 milhões de evangélicos.

No Brasil os livros são caros

Num estudo interessante, analisando a relação entre o % do valor médio dos livros sobre o valor do salário mínimo, chegou-se ao gráfico abaixo. Note que o Brasil ocupa o quarto lugar entre os livros mais caros do mundo. Porém, esta não é a realidade quando sabemos que muitos livros encontram-se disponíveis online, em plataformas como o Google Docs e é sim, perfeitamente possível, ler obras de qualidade a custo zero ou quase zero. O problema é que o brasileiro consome muita porcaria enquanto conectado à internet.

Preço do livro x Salário Mínimo

Fonte: http://papodehomem.com.br/o-preco-do-livro-ao-redor-do-mundo/

Então é preciso dimensionar o orçamento para a compra de bons livros. Agora focar em livros basilares e críticos, que nos façam sair da zona de conforto e onde haja verdadeiro aprendizado. Ouvi de um seminarista que já não há sobre o que escrever. Meses depois encontro o livro A Cruz do Rei, Timothy Keller, falando sobre o evangelho de Marcos. Embora cite outros autores é impossível você ler duas páginas sem pensar num sermão! Não, não estou fazendo propaganda do livro, estou mostrando como sempre há sobre o que ler/escrever.

A cruz do Rei – Timothy Keller

Conclusão

Nós pentecostais nos notabilizamos pela ausência de produção intelectual. Vivemos de consumir o que vem das penas norte-americanas e europeias. É uma pena. E muitos de nós nem pensa no assunto, mas há um problema muito sério: o crescimento da qualidade intelectual de nossos membros. Eles já estão exigindo um pouco mais que a conversa fiada de muitos pastores relaxados e acomodados.

Talvez esse assunto não interesse muito porque não rende dinheiro diretamente para a Igreja. Vivemos num tempo em que somente aquilo que traz retorno imediato enche os olhos de quem pode contribuir para mudar a situação. Mas cada vez mais se valoriza o capital intelectual de uma organização, que passa pelo assunto proposto aqui.

Só não digam que eu não avisei…

[1] http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2015/04/por-que-os-brasileiros-leem-tao-pouco-4735112.html

Sair da versão mobile